segunda-feira, 13 de julho de 2009

Um Pouco de Tudo XII (Season Finale)

Leia também: Parte I | Parte II | Parte III | Parte IV | Parte V | Parte VI | Parte VII | Parte VIII | Parte IX | Parte X | Parte XI

A cena era bucólica demais para que eu pudesse suportar. Estava inquieto, como Freddy Krueger preso num quadro de Rembrandt. Um feixe de luz do sol poente entrava pela janela do quarto, refletindo na cama e paredes brancas, decorando tudo em tons pastéis. A TV estava desligada, e eu me mantinha sentado à poltrona, tendo ao meu lado um copo d’água, jarro cheio e a máscara de oxigênio para qualquer emergência. Estar no apartamento me trazia maior segurança, tanto emocional quanto física. Mas era também uma prisão...

Uma caixa de papelão aos pés da cama me lembrava, com certo mau agouro, da pressa que deveria ter para resolver aquela situação. Todo o objetivo da minha vida, pelo menos nos últimos meses, estava encerrado dentro daquela caixa. Curioso é que não tinha ânimo para abri-la. Reviver todas aquelas amarguras dilaceraria o pouco de saúde que ainda me restava... mas era um mal necessário.

Solene como quem caminha para a própria execução, me levantei, caminhei até a caixa, e não sem esforços a depositei sobre a colcha branca. Notei que o interior do quarto ficou mais escuro, pois o papelão não refletia a luz tão bem quanto o lençol alvejado. Cada aba da caixa foi aberta, e então contemplei seus documentos... Fotos, e-mails, gravações de vídeo, áudio, fitas, CDs, cartas, memórias de telefones celulares, extratos, armas e digitais... todo um emaranhado de provas concretas de crimes e traições. Todas as provas que eu precisaria para, finalmente, fazer aquela puta loira pagar por suas caprichosas idéias de me fuder. E ela chegou perto. Bem perto. Perto o suficiente para que eu não a quisesse perdoar jamais...

Uma lágrima rolou em meu rosto, a princípio. Contemplei nosso passado, no tempo em que ela foi bela, doce, um anjo. O choro irrompeu de dentro de mim numa torrente que me fazia pronunciar xingamentos obscenos, baixinho. Vi e revi em fotografias os seus olhos expressivos, sua pele branca e sedosa, seu jeito carinhoso. E como criança em pânico, deixei-me derramar o pranto sobre as imagens. E quanto mais me aproximava das fotos dos últimos dias de nosso relacionamento, notei que sua expressão ia mudando gradativamente – e também a minha... percebi como me tornei mais sério, mais velho, mais triste... e ela... doentia!

Depois de algumas horas analisando aqueles arquivos, ouvi uma voz, logo atrás de mim, questionando-me sobre o que pretendia fazer então. Pelo timbre e a cadência ritmada dos sons que sua melodiosa voz emitiam, eu sabia quem era. Suas mãos de pele negra como ébano me envolveram, por trás, pousando sobre meu peito. Enquanto isso, senti seu queixo repousando sobre o meu ombro. Rosto com rosto.

Respondi que ainda não sabia. Não tinha tomado minha decisão. E pedi, se ela poderia me sugerir uma ação sábia. E naquele instante ela o fez: “– A dor é necessária. O sofrimento é opcional...”. Ergui meus olhos para os feixes de luz, e num momento epifanico compreendi. Minhas pupilas se estreitaram rapidamente e eu simplesmente sorri, colocando os documentos de volta à caixa lentamente, e esta de volta ao chão.

Coloquei-me com cuidado sobre a cama novamente e a convidei para se deitar ao meu lado, sorrindo. Seu perfume refrescou-me quando encostou a cabeça em meu peito, e aninhou-se em meus braços, parecendo possuir metade do tamanho que realmente tinha. A luz do sol em seus olhos, ressaltando a cor caramelo, repentinamente me fizeram compreender as motivações do Romantismo.

Foi então que decidi: “A dor virá àquela que um dia foi um anjo. Com ou sem minha vendeta, ela pagará, pois se embrenhou em caminhos tortuosos. E o sofrimento que eu causaria, não seria útil. Dele, ela não aprenderia nada, ou somente alimentaria seu rancor. É melhor esquecer, e seguir em frente...” – senti do fundo de minha garganta um alívio a me emocionar. E meus olhos se abriram, não fisicamente, mas dentro de minha alma. E eu contemplei a calma. Senti, enfim, a paz interior de que aquele novo anjo em meus braços já gozava... então a beijei com um sorriso nos olhos e carinho nos lábios. E ali mesmo, a amei...

Minha doença? Aprendi a respeitar. Ela tem me imposto limites cada vez mais estreitos, anunciando meu final precoce. Encurrala-me em mim mesmo, lentamente, e me levando não mais para o abismo dos mortos... mas sim, para a sublimidade daqueles que vivem eternamente entre os deuses. Aprendi, enquanto sentia meu corpo unido ao de meu real anjo, formas de saltar sobre as muralhas e correr livremente pelas campinas além. Transcendi a mim mesmo, metamorfoseei-me. Essa dor física, ainda dói... apenas escolhi não sofrer mais.

Sob meus braços e beijos, fitei ela sorrindo. Sorri em retorno. Sentia paz. Sentia luz. Seria esse o famigerado perdão? Não sei... só não me abalava mais... nada mais.

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Kakau Moreno: É a emoção! rsss

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