quinta-feira, 18 de junho de 2009

Um Pouco de Tudo X


Leia também: Parte I | Parte II | Parte III | Parte IV | Parte V | Parte VI | Parte VII | Parte VIII | Parte IX

Um barulho contínuo, linear, e irritantemente agudo, começou a soar longe, me trazendo à luz da consciência. Eu vi a imagem de relógios, despertadores... mas também lembrei que o meu não fazia um som como aquele. Senti um gosto ferroso por toda a boca. E o barulho foi ficando mais nítido, e o som de vozes gritando também. Foi quando, no meio da balburdia, pude discernir uma frase: “...assistolia... traz o reanimador!”

Insólita como foi essa frase, foi a minha consciência tomando meu corpo imediatamente. Emergencialmente. Com um solavanco reuni minhas forças da maneira mais rápida que pude e inspirei. Penso que cheguei a ficar sentado na superfície acolchoada em que estava, e um ar frio entrou pelas minhas vias aéreas rasgando minha traquéia e inflando meus pulmões. A dor que senti era tanta, que tive a impressão de que meus pulmões pudessem estar completamente vazios naquele momento, como uvas passas, e receberam muito ar... de uma vez. Uma singela compaixão para com o choro dos recém nascidos se abateu sobre mim: será que é essa dor que sentem e choram?

Abri os olhos e vi as expressões de surpresa no rosto de cinco ou seis pessoas vestidas de branco. Não tive como fazer ou dizer mais nada, porém, pois foi como se uma onda de desânimo e fraqueza tomasse meu corpo no mesmo instante, e eu me senti tonto... O barulho agudo deixou de ser contínuo, tornou-se intermitente, como um pulsar. E eu praticamente implodi, deixando-me cair sobre a maca, exausto, arfante.

Uma pequena lanterna foi usada para examinar minhas pupilas, e a luz branca pareceu fazer cócegas dentro de minhas pálpebras. O médico, um tipo alto e forte, de ombros largos, extremamente branco e de cabelos ruivos raspados baixo, como se fosse do exército, falou algo sobre “vírus” e “parada respiratória”. Eu não compreendi absolutamente nada, e em seguida nem fiz mais questão de entender... algo havia fisgado minha atenção.

Num canto da sala, vestida com um jaleco branco, reunida ao grupo de residentes, eu vi ela: boca rosada de lábios finos no formato de um sorriso sinistro, nariz pequeno e ligeiramente arrebitado, olhos expressivamente claros, sobrancelhas arqueadas como devem ser as do demônio... e cabelos louros que lhe emolduravam a face. Um desespero se abateu sobre mim, enquanto não conseguia sequer articular uma frase.

Desmaiei. Inseguro e amedrontado, rodeado pela escuridão. Estava preso dentro de meu próprio corpo, com uma víbora a rastejar ao redor de meu repouso. O que mais ela poderia tentar, agora que estava na mesma sala? Por que não me deixava em paz?

Eu que não acredito em Deus, rezei. E parece que, talvez, ele tenha algum apreço por mim. A imagem reluzente de um anjo de pele negra surgiu, e cantou para me acalmar. Hilário, é que o anjo me cantava um blues... uma lágrima rolou de meus olhos, confiante de que ninguém deixaria “cabelos louros” me fazer mais mal algum.

Comentando Comentários
Obrigado pelos comentários! E vamos comentá-los, então...

Pimentinha: hauhauha... sobre os detalhes, é o mal de ser observador. A gente acaba vendo cada coisa estranha, notando cada detalhe, que depois fica difícil explicar as coisas sem fazer essas associações. É como falar por parábolas... (xiii... outra associação)
Duas Caras: Ahhhh... a maldita da criatividade. Se eu pego ela, juro que esgano! Ela tem me faltado nos últimos dias... semanas, para ser exato. É difícil ter um serviço que depende disso... pq não fui ser médico?
Cáh: Owww dó! Pecadinho... eu explico depois... rsss

3 comentários:

Karla Moreno disse...

rs seus comentários sempre me alegrando!

Beijos enormes querido, e um ótimo fds,
Kakau. =)

Desarranjo Sintético disse...

Interessante!
Nosso medo, misturado com o desconhecido...leva à paranóia...ahhahah.

Abraços

Fábio.

Karla Moreno disse...

Exatamente.. uma das dúvidas as quais sempre carregaremos. Como saber?

Beijos grandiosos querido,
Kakau.