sexta-feira, 15 de maio de 2009

Um Pouco de Tudo VI

Leia também: Parte I | Parte II | Parte III | Parte IV | Parte V

De cabeça baixa, saí daquela enfermaria. Seis meses, quatorze dias, cinco horas e vinte e três minutos. Também se foram 13 quilos. Nunca me importei com minhas expressões, mas um desses “metidos a poeta” me disse meu semblante poderia ser definido como um cenário dos clipes do System Of A Down. Eu quis quebrar os lápis dele em suas próprias vértebras, mas sabia que ele tinha razão.

Me dei conta que nunca tinha baixado a cabeça em minha vida, então, passando pela sala de espera, me reergui. Pacientes e familiares de outros me olhavam com certo ar de piedade. A julgar pela porta de onde eu saía só poderia significar uma coisa: eu pertencia, agora, ao mundo deles. E isso não era bom. E eu não os ameacei com o olhar, como faria de costume. Ao passar pelo susto que passei, perdi parte daquele egoísmo em pensar que posso cuidar de tudo sozinho – Ok. Bobagem. Continuo o mesmo, só percebi que posso ser mais eficiente em bando.

Pisei fora do Hospital ao mesmo tempo em que já acendia um cigarro, dei uma tragada, levantei a cabeça... e quis sofrer outro acidente, por Deus!

O mundo havia girado, a vida havia seguido seu curso, e as pessoas continuavam pra lá e pra cá em suas vidinhas patéticas. Caminhei em meio às ruas iluminadas do meio dia, e percebi como elas são diferentes de suas faces à meia noite. Contemplei outdoors frios e calculistas, e observei manifestações públicas de afeto no parque. Esse admirável mundo “vivo” me entorpecia, e me obrigava a acender o segundo cigarro. É impressionante como seu comportamento muda, quando a vida te avisa que tem hora marcada para ir...

Tomei o metrô até perto de minha casa. Ausente daquele universo, não vi ninguém, não ouvi nada. Apenas o ruído metálico do transporte atravessando os túneis sob a cidade. E vi que meus dias – até a hora marcada – não seriam de apenas espera. Eu ainda teria que experimentar mais expiações.

Parado à porta de minha casa, notei que vizinhos me olhavam com espanto. Isso era normal, mas havia algo mais naqueles olhos. Até que ouvi uma criança perguntando à mãe, que passavam na rua, se eu era “aquele moço com aquele problema”... Antes que eu pudesse me arremessar ao portão e tentar agarrar o pirralho e a vadia de sua mãe, eles se foram, e eu entrei em casa.

O cheiro que bateu em meu rosto fez meus músculos relaxarem, à medida que eu tirava minhas roupas, ali na sala. Peguei as correspondências que foram jogadas sob a porta e me joguei, nu, naquele sofá. Olhei rapidamente uma a uma, até abrir um envelope que se dizia ser de um determinado remetente. Nele, uma carta dizia:

“Tomei o cuidado de avisar pessoas do seu convívio sobre tudo o que aconteceu” – Isso explicava o comportamento dos vizinhos e meu sangue veio aos olhos. Lógicamente eu reconheci aquela letra e o perfume no papel – não eram do remetente que se declarava no envelope. Passei a mão pelo peito e estendi o braço para pegar o pequeno enfeite sobre a mesa de centro: uma caixinha de metal. De lá, tirei um pouco daquela erva, cuidadosamente a enrolei em tiras que eu rasgava daquela carta e a acendi entre meus lábios...

Até cair no sono, eu ri muito. Me distraí. Pois agora eu sabia o mundo em que estava vivendo, quem eram os mocinhos, e sabia exatamente o que fazer.

3 comentários:

coizinha disse...

sempre depois de ler um texto como esse, fico me perguntando "o que comentar?"

pois bem...
nao ha o que comentar
apenas elogiar...

Pimentinha disse...

Tempinho sem passar por aqui ...e qnd faço o mesmo, ele já escreveu dois textos maravilhosos (pra "variar um cadin" :p)
:*

Da Silva disse...

Saber em que mundo estou vivendo, quem são os mocinhos e, principalmente, quem são os bandidos. Eu ainda vou conseguir isso algum dia.

ótimo texto. Forte abraço.