terça-feira, 28 de maio de 2013

Como voltar a fumar




De repente o mundo pareceu mais opressor. Pesou nas costas a idade, a responsabilidade e a vontade. Enquanto entrava impessoal naquele botequim e pedia seu pingado, como de costume, reparou unicamente que estava rodeado de trabalhadores que, como ele, aproveitavam o abrigo da chuva e do frio. Cada qual com sua vida, seu sorriso ou lamúria nos olhos, suas preocupações grandiosas ou pequenas. Vivam, apenas.

Da experiência de vida, ainda que curta, lhe pesou o cansaço. Da mente, por todos os percalços, os medos e todas as fugas que quis empreender, mas acabou sendo mais corajoso do que supunha. Enfrentou cada barreira, e isso lhe pesou o corpo também. Sentia as costas, os joelhos e os tornozelos. Tamanho era seu desequilibrio que o sono e apatia lhe renderam muitos quilos a mais, e a angustia e ansiedade não o deixava perder uma grama sequer.

Sentia que carregava demônios demais. Ele sorvia a negra bebida buscando, ali naquele local público, engolir as lágrimas salgadas que empapuçavam sua língua. Sentia-se âncora. Sentia-se porto. Sentia-se algema. Sentia-se toda sorte de mecanismo ou objeto que prende, aprisiona e segura. Sentiu que se tornou “aquele cara” que mantém, equilibra. Sentiu que não tinha autorização para perder as estribeiras nunca mais, por que agora era “aquele cara” que tudo aguenta.

O amargo do café deixou a xícara, mas marcava o sabor dentro de sua boca. Tal como a vontade de ser, ter e fazer, tantas coisas na vida, que por fim se deu conta que nunca mais teria outra chance. Passou do tempo. Passou do ponto. Seguiu caminhos por onde não se podia mais retornar. Dos desejos que tinha quando menino – de ser, ter e fazer – sobrou uma grande parcela de frustrações – consigo, contigo e conosco.

Levantou-se para sair ciente de que era novo alguém após aquela xícara de café, num lugar abarrotado de gente, em que ele sozinho num canto refletiu. Parou no balcão para pagar sua conta e por acaso fitou os cigarros na parede. Lembrou-se da jovem imprudência, época de sua vida, que fumava (ao invés de comer por ansiedade). E o balconista, solícito, perguntou: - Sua conta é um pingado e... qual cigarro? – Mas fazia dois anos que ele não era mais um fumante.

Ele fitou aquelas pessoas com seus próprios problemas. E fitou a si mesmo com todos os seus. Já que sentia que perdeu o tempo, o corpo e a vontade, apenas respondeu: - Aquele ali, por favor.

ATENÇÃO: Este texto não faz apologia, nem tem a intenção de estimular o tabagismo. Portanto, se você é idiota o suficiente para ler essa publicação com esse tipo de preconceito, sugiro que saia desse blog imediatamente e vá ler um livro. Qualquer um. Obrigado.

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