domingo, 27 de fevereiro de 2011

Ela quis ir embora de si



As vezes chega a hora de partir. Hora maldita e abençoada – sim, tudo junto – em que você vê o tempo acabando, e o medo batendo, e a necessidade pungente de fazer alguma coisa. Foi assim que me senti quando Elias apareceu em minha frente, segurando um botão. Quanto tempo fazia que não nos víamos? Três, quatro anos... ou mais? Não sei. Eu só sabia que ele estava de casamento marcado, casa montada e realizando todos os meus sonhos... sem mim. Mas ele parou na minha frente e me deu a escolha: “Fica comigo, que eu largo tudo e te amo”. Apesar do imenso amor que sentimos um pelo outro no passado, preferi deixá-lo ali. Não queria que a pobre alma que o aguardava no altar sentisse o que eu senti, quando por ela fui trocada, também.

Mal andei alguns passos, e vi Antonio. Sorriso aberto, peito largo, braços longos. Aquele jeito de menino quando apronta alguma arte e tem medo de ser pego pela mãe. O vi tão animado e saltitante, que sorri também. E ele foi gentil comigo, como geralmente não era. Lembrei-me das grosserias, da rudeza de suas palavras, e da maneira bruta com que segurava meu braço quando queria me obrigar a fazer alguma coisa. E me lembrei de como fui burra, amando loucamente e cedendo aos caprichos daquele seu jeitinho de menino. Achei estranho ele ser gentil sem segundas intenções... ledo engano. Em quinze minutos de conversa, ele me disse: “Será que poderia me fazer um favor...” – eu apenas sorri, e o deixei falando sozinho.

Fui embora manchada, machucada. Passados distantes pularam no meu colo no meio da rua, e não mudaram nada. Insistiam em se fazer “presente”, por sorte resisti. Tomei meu banho, longamente, me troquei. A chuva lá fora me pedia para permanecer dentro de casa, então liguei meu PC. Foi quando Paulo ficou on-line também. “Coincidentemente”, resolveu me chamar para um bate-papo. Ele me contava sobre sua tristeza, falta de perspectiva, falta de vontade de viver... me lembrei de quando eu passei por aqueles mal bocados, e pedi para que ele me ouvisse. Ele era meu porto seguro naquela época, mas quando ele ligou sua webcam – por engano – vi exatamente em quê ele estava interessado. Lembro-me de ter respondido: “Não, meu querido, desejo apenas desabafar e suas partes intimas não podem me ouvir”. Bom... coincidentemente, naquele dia e hoje, fiquei off-line!

O telefone tocou em seguida, e eu atendi já esperando que fosse o Paulo. Tinha uma resposta marcada na ponta da língua... mas era Daniel. “Oi Dan” – eu disse, quase aliviada. Dan é o pai de um amigo meu. Homem maduro, correto, animado e muito jovial. Costumava passar horas falando com ele sobre filosofia, meditação e os aspectos mais profundos da psiquê. Ele me contava coisas de sua vida, família e até mesmo histórias que meu amigo não sabia. Era um homem sábio, que eu admirava... até ele me convidar para jantar. Havia brigado com a esposa, que agora era ex. Estavam divorciando, e naquele momento ele “recebeu uma luz” que lhe dizia que eu era a mulher de sua vida... Antes de começar a chorar pela minha falta de sorte, desliguei o telefone e o celular. Deixei apenas um recado na secretaria eletrônica de ambos: “Fui ali morrer e já volto. Deixe seu recado que algum médium me transmite mais tarde. Beijos” (disfarço frustração com humor... de gosto duvidoso, eu sei).

Decidi que seria bom sair, me divertir. Procurar algo novo para fazer, alguém novo para conhecer. Por sorte, na fila do cinema, acabei discutindo alguns títulos de filmes com um belo rapaz chamado Ernesto. Parecia-me ser um moço honesto, com bons gestos e o principal: carinho. Saímos de lá ainda debatendo filmes, e ele me convidou para um vinho num bistrô próximo dalí. Gosto de pôr a culpa no vinho, mas na verdade a culpa foi minha mesmo, pois foi eu quem cedi, e não a garrafa. Fui parar em sua casa, vestindo apressadamente meu vestido às 6 horas da manhã, para partir. Enquanto eu sorria constrangida pela minha pressa – uma amiga me esperava na rodoviária – ele me disse, pelado sob os lençóis que bagunçamos: “Você espera por um relacionamento sério, não é? Vou te apresentar para um amigo meu, que também quer algo sério. Acho que você vai adorar ele... ele é bem como você...”. Sorrindo, tirei R$ 15 da bolsa e coloquei sobre o criado mudo, ao lado de sua cabeceira... quando ele me perguntou do que se tratava, lhe dei um selinho dizendo: “Já estive com profissionais melhores, mas você tem futuro. Tenha um bom dia.” – e saí, com o choro preso na garganta.

É... às vezes chega a hora de partir. Hora maldita e abençoada – sim, tudo junto – em que você vê o tempo acabando, e o medo batendo, e a necessidade pungente de fazer alguma coisa. Decidi ir embora, do mundo, da vida, da sorte e do amor. Decidi que é hora de deixar tudo isso pra trás. Não me pergunte onde vou parar, mas na bagagem não levo mais meu coração... é uma bagagem inútil, excesso de peso. A partir de agora, vou me dedicar exclusivamente a minha carreira e me tornar uma empresária rica e sem alma. Talvez só vista Prada, para que me chamem de Diabo também.

[Baseado em fatos reais]

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