sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Pessoas perdidas, coisas certas e horas erradas

Passou a tarde inteira tentando inventar uma forma de dizer o que sentia. Foi do bilhetinho anônimo à declaração rasgada no meio do parque, com todo mundo – inclusive pipoqueiro – olhando. Mas nada parecia ser uma boa idéia. Quando interpelou sua mente sobre qual seria a melhor forma de dizer aquilo, ela respondeu:

“Quando for oito horas da noite, e o céu estiver escuro, vá para o quintal e leve sua gaita. Toque uma melodia sentida, profunda, mas que parta de seu coração, dedicada à Lua. Isso vai ser importante, porque ela é a Rainha. Vai demorar um pouco até ela te dar bola, mas não desista! Vá até o fim, nota à nota. Quando ela finalmente te olhar, e isso vai ser por volta das dez, as coisas vão ficar mais simples...

Cumprimente ela com um menear de cabeça, singelo, discreto e cortês. Isso vai deixá-la impressionada. Só então você deve pedir que ela lhe empreste seu manto de estrelas. Uma a uma, dirija as estrelas para os lugares corretos. Lembre-se: Estrelas são como criancinhas... você deve conquistá-las com simpatia e doçura, senão, elas vão aprontar com você. E seja paciente... elas vão querer brincar um pouco também...

Escreva sua declaração de amor no céu com as estrelas. Convença-as a ficarem paradinhas, formando a frase que tanto quer soltar. Se for bem sucedido nessa parte, vai por mim, vai funcionar. Só então você deve procurar uma floricultura!

Eu sei... será por volta das dez e meia... bem, se você tiver sorte... por que pode ser por volta das onze da noite. Mas não desanime! Encontre uma boa floricultura, e pegue um ramalhete de rosas. Sabe, as rosas são um símbolo do que você está sentindo. Então vai ser bem bacana entregá-las. Ah! Não se esqueça do bilhete... escreva assim: vá para o fundo do seu quintal e olhe as estrelas. Só isso. E assine!

Como será por volta da meia noite, na melhor das hipóteses, pode ser meio inconveniente ir chegando assim na casa dos outros. Então, pra não ficar tão chato, coloque o ramalhete com o cartão na porta da casa. Mas não toque a campainha! Vai que outra pessoa atende, vê o bilhete, lê as estrelas... ih! Pronto! Estragaria tudo! Então deixe o ramalhete e saia de fininho.

Quando estiver a uma distância segura, pegue seu celular, e ligue! Você lembrou de pagar a fatura do último mês, né? Senão não terá créditos para a ligação. Enfim... ligue e avise: há um presente pra você na porta de sua casa... e espere.
Vai ser lindo! E vai funcionar”.


Ficou por alguns instantes pensando, com um sorriso no rosto. Era uma bela hipótese. Tinha tudo para dar certo! A gaita, a floricultura 24 horas, o jeito com as crianças-estrelas, até a conta do celular já estava paga. Então se animou tanto, que decidiu: vou fazer!

Mas naquele instante, o destinatário de tal declaração passou em sua frente, ignorando sua existência. Trazia à tira colo, um outro alguém. Estavam apaixonados, perfumados como um “recém-casal”. Desde aquele dia, nunca mais a conta do celular foi paga, nem a gaita tocada.

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