sexta-feira, 13 de março de 2009

Bom Moço de Marrom Escuro

Pela janela do quarto / Pela janela do carro
Pela tela, pela janela (quem é ela, quem é ela?)
Eu vejo tudo enquadrado...

Era uma daquelas tardes negras de chuva caindo sobre o telhado dos vizinhos. Digo isso porque me compraz olhar através de minha janela e saber que posso ver os telhados, e gostaria que todos tivessem este deleite também. Primeiro andar, e nem por isso, primeiro posto ou primeiro lugar. Não é mérito meu morar ali, mas os tetos vizinhos em tom marrom escuro, molhados de chuva, em contraste com o céu cinza, são para mim, este prazer.

Eu fitava os telhados através da janela, moldura urbana, prédios ao alcance da vista. Foi quando a solidão me convidou para outro marrom escuro, e uma outra janela clara e escancarada. Caminhei decididamente como quem se prepara para uma apresentação formal, mas vestia uma roupa de sono. Me coloquei sobre o marrom escuro e a janela, esta janela que via agora era digital, com 15” e luz azul. O marrom que contrastava era da madeira sob meu corpo, dura cadeira. E através daquela janela digital eu busquei paisagens. Busquei histórias. Encontrei formas e flores. Encontrei ódio e decepção. Vi e revi meu passado escrito em arquivos indeléveis de pastas protegidas com senha.

Buscando fugir daquela imagem, como se pudesse virar a janela digital para outro lado do quarto e enxergar outra paisagem. Como se pudesse deixar de ver os telhados molhados marrons escuros e o céu cinza quase negro de chuva. Abri uma página a esmo, branca e pura. Mas a que acessei em seguida foi pensada, planejada, como um crime que iria cometer. Fitei um campo em branco no qual me sugeria que devesse escrever um codinome. Um apelido. Uma única palavra que definisse algo que jamais consegui compreender: eu.

Pensei em toda a minha história e todos os significados desta vida. Todos os erros e medos, percalços e acertos. Reli, mas desta vez em minha mente, arquivos indeléveis protegidos por senhas... ou seriam sonhos... coisas que oculto de mim mesmo para que não queira saltar pela janela, no rumo dos telhados marrons escuros. Só agora percebo, que talvez o marrom escuro e molhado dos telhados me pareçam sangue coagulado. Como as rosas secas de certo poeta que li agora a pouco.

Enfim, acessei minha história e em transe me nomeei: “Bom Moço”. Não porque seja santo ou tenha certa superioridade sobre os outros. Mas é que gostaria que me vissem assim, apesar dos erros e defeitos que deixei crescer dentro de mim. Queria que, quando me vissem com esta roupagem, este nome, compreendessem quem sou e o sofrimento que guardo. Assim, acessei, como um Bom Moço... e escolhi a cor marrom escuro para me representar.

Sabe quando você entra em algum local público lotado e uma profusão de cheiros, vozes, assuntos, cores e pessoas surgem em seu campo de visão, confundindo tudo e todos em vultos e as cores de fundo da paisagem misturam? Me senti assim. O fundo era branco, mas uma profusão de pessoas, nomes, assuntos e propagandas explodiram em minha cara através daquela janela brilhante com tecnologia “bright view”.

Palavras obscenas, convites invasivos, assuntos assustadores surgiram vindos de vários lados. Era um turbilhão no qual o vento girava agressivamente ao meu redor e eu desviava insistentemente dos entulhos que tentavam me atingir. Tonto e com medo, me agarrei à primeira pessoa que vi, como uma criança perdida que confunde uma mulher qualquer com a sua mãe, naquele mesmo espaço publico lotado que mencionei. Eu estava perdido, como uma criança sem mãe.

- Olá. Tc de onde?
- DAQUI MESMO. E VC?
- Tbm. O que faz da vida?
- QTS ANOS? O QUE PROCURA AQUI?
- 23. Procuro só alguém pra conversar, nesta tarde chuvosa.
- QUE BOM... EU TBM!
(...)

Assim eu ouvi a mulher dizendo para a criança perdida no local público lotado, preenchendo-a de susto e esperança. Susto por perceber que aquela não era sua mãe. Esperança, por compreender que alguém ali, no meio daquele tornado de entulhos estava disposta a ajudá-la sair ilesa. Foi assim que a primeira pessoa a quem eu me pendurei naquele ambiente virtual e agressivo me respondeu e eu, como a criança, a abracei e chorei com esperança. E foi assim que tudo começou a acontecer. Lenta e decididamente. Mas acontecer...

(continua...)

Um comentário:

Karla Moreno disse...

Ah.. todo início é meio conturbado.. uma chatura só! rs

Obrigada pelos votos de otimismo rs. =]

beijo grande e um ótimo sábado,
Kakau,